domingo, 10 de julho de 2011

Disco de platina para o bonitinho surdo e mudo

sem voz e sem mão, o som vem do lugar errado (foto: clorofot.com / designer - bob turek)


'O ouvido escuta, o olho vê e a boca come', disse-me o observador. 'Desconfie do artista que se diz músico ao mesmo tempo em que se preocupa com o que veste', disse-me outro. Quando o ouvido escuta, fecham-se os olhos e o produto música é consumido com sobriedade. Com um quê pretensioso, os olhos se abrem a fim de julgar e é aí que o circo ganha vez. Se há mão pesada no instrumento, o visual é dispensável e o som é canalizado ao que realmente interessa: o ouvido.

Ney Matogrosso certamente será lembrado como um grande cantor, mas é inegável que seu desempenho enquanto bailarino somado a sua sensibilidade figurinista tenha contribuído para garantir-lhe cadeira entre os imortais. Precursores de uma nova visão cenográfica e performática, os tropicalistas equilibraram os sentidos e souberam casar o som com a imagem. O exemplo de sucesso mais claro chama-se Michael Jackson. Mas o Ney é o Ney, o topicalismo é o tropicalismo e o Michael é um milagre transcendental.

Sucede que uma penca de artistas contemporâneos insistem em preencher lacunas sonoras com um visual requintado. Fantasiam-se como se vivessem em comerciais de margarina, dormem de topete armado e tremem na frente das câmeras por qualquer embaçado no caro óculos escuro que provoca a noite ofendida. Quando mão ou voz não pesam, viram manequins de ipod engolido.

Pera lá, não adianta ghandiar de chinelas por aí como um trovador desprendido da aparência, clamando como um profeta que quem vê cara não escuta canção. No BBB fonográfico, onde câmeras cercam quem vende áudio, a preocupação com a casca se faz necessária. Malandra é a cigarra, consciente de que casca se troca.

Quando a armadura luta mais que o soldado, algo está errado. Há casos - e não são poucos - de músicos que nos chamam mais atenção pelo vestido do que pelo tocado/cantado/composto. A camisa transada maqueia o barulho vomitado.

'Maquiagem desrespeita rugas', disse-me a romântica dermatologista. O carnaval é o carnaval. E o vômito é o vômito: enjoa quem vê, mas não atinge quem escuta.

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