terça-feira, 26 de outubro de 2010

A finada malandragem do politicamente incorreto

Bezerra da Silva no álbum 'Eu Não Sou Santo', de 1990: um malandro porta-voz

Malandragem, dá um tempo do gangsta rap norte americano e conheça Bezerra da Silva. Muito antes de 50 Cent e aquela gurizada estourarem seus champagnes, aquele pernambucano cria de favela carioca já desmitificava o narcotráfico, com a classe de um bom malandro.

O Sambandido de Bezerra da Siva, rico musicalmente, precedeu a pobreza dos proibidões de facções criminosas que se instalou no Rio de Janeiro. A poesia de Bezerra abordava o encarceramento com muita liberdade, deixando de lado a máscara do politicamente correto. Em 'Produto Importado', por exemplo, Bezerra explanou com metáforas elegantes um sistema que até hoje dá muita dor de cabeça em nosso país.

Toda hora eu vendo
Essa mercadoria não é de encalhar
É produto estrangeiro

Que vem importado lá de Bogotá


Se está duro não chega perto

Porque fiado eu não posso vender

Coisa fina, custa caro

E dá muito trabalho pra gente trazer

Tem que vir de navio ou então de avião

Pra poder chegar aqui

E se você não tiver com grana

Também não tem chance para possuir


Em produtos importados

Não pode haver bagatela

Eu vendo para a elite

Classe média alta e baixa e também pra favela

Muita gente ai não gosta

Mas eu vou fazer o que

Quando eu não tenho a massa reclama

Por isso eu não posso parar de vender


Culpado ou não, o sambista observou com autoridade. Durante anos mendigou em Copacabana, até se firmar no meio musical e colocar seu Partido Alto nas rádios cariocas. Com Moreira e Dicró, Bezerra salvou Gabriel Pensador de uma enrascada na festa da MPB, mas também se meteu em algumas até cair nas graças do high society. Na ótica de uma lei paralela, o poeta analisa a sobrevivência na favela em 'O Malandro Era Forte', de 1985.


E o cara babava
Igual a cachorro danado
Foi logo metendo a mão na turbina
E o povo gritando:

Esse já é finado!
A propria lei é quem diz
Que a defesa é um direito sagrado

Ai eu meti a mão no meu ferro

Saí dando pipoco e derrubei o malvado


Se hoje estampa o braço de Marcelo D2, em 1990 Bezerra causava polêmica ao estampar o disco 'Eu Não Sou Santo' (foto). Pregado na cruz, como um redentor, o artista empunhava dois revólveres, com a favela em pano de fundo. Seu último trabalho seria um CD de canções evangélicas, mas não deu tempo de concluir. Morreu em 2005, no dia 17 de janeiro (171), por falência múltipla dos órgãos derivada de complições pulmonares. Antes de padecer, afirmava aos mais próximos que não queria ser enterrado em final de semana ou feriado, para não atrapalhar a praia dos amigos. Tem coisa mais carioca, morrer numa segunda-feira? Pedido atendido, salve Bezerra da Silva!

4 comentários:

  1. Olá Ricardo! Você deixou um comentário no meu blog lá no wordpress, e na verdade ele é apenas uma espécie de backup, por pura precaução, já que nós que disponibilizamos downloads somos considerados infratores, e somos mesmo, e portanto estamos ameaçados de sermos deletados, então estou passando post por post para o wordpress e assim faço um checkup e vejo se não há links quebrados e corrijo. O meu blog oficial encontra-se aqui no blogspot e o link é http://pintandomusica.blogspot.com/

    Olha! O seu blog foi um achado para mim também, pois tenho muita dificuldade em postar sobre música brasileira, gosto sim do blues brasileiro, bossa nova, jazz....mas o pop e o rock brasileiro não conheço muito bem. Ainda não vi todo o seu blog, vou me dedicar a isso e garimpar e com certeza encontrarei jóias preciosas. Vou linkar você no wordpress e no blogspot.

    Um grande abraço. Valeu!

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  2. Ah, a tirada de abertura deste post já justificaria ele todo... Emtempos de UPP, como seria o Bezerra hoje? Será que ele ia aguentar ficar evangélico muito tempo? Acho que ia ser meo que nem o Bob Dylan e o Tim Maia, coisa para um disco só... Gostei do blog, o texto abaixo sobre o Castelo das Pedras também é bem legal. Vida longa ao blog, abraço.

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  3. Ricardo
    Que bela e justa homenagem ao Bezerra da Silva! Belo começo.
    Seu estilo vibrante, conciso e "romântico"de escrever me conquistou! É uma mistura encantadora e sedutora como você.
    Parabéns pelo blog.
    Beijos

    Clívia

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  4. Texto elegante e oportuno

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